Um dos temas que mais gera curiosidade nas minhas aulas sobre ESG e sustentabilidade é o conceito de dupla materialidade. E diante de tanto interesse pelo tema, decidi escrever este artigo para auxiliar o entendimento em relação a conceitos, objetivos e importância.
No cenário empresarial contemporâneo, a crescente conscientização sobre questões ambientais, sociais e de governança (ESG) tem impulsionado a adoção de novos conceitos e práticas. Entre esses, a dupla materialidade emerge como um pilar essencial para a gestão empresarial, refletindo a necessidade de uma abordagem mais holística na avaliação dos riscos e oportunidades relacionados a ESG.
Entendendo a Materialidade
Antes de aprofundar no conceito de dupla materialidade, é crucial compreender o que se entende por materialidade ou temas materiais.
Materialidade refere-se ao grau de relevância de determinados assuntos ou informações para uma empresa ou setor de negócios.
Em sua essência, materialidade é um princípio contábil que define quais informações são indispensáveis para a tomada de decisões estratégicas. Processos de avaliação de materialidade são utilizados por empresas para identificar questões que impactam significativamente suas operações, considerando tanto os aspectos financeiros quanto os ambientais, sociais e de governança.
Temas materiais, portanto, são aqueles que influenciam a capacidade da empresa de gerar valor a longo prazo, seja por meio de seus impactos no ambiente externo (materialidade externa) ou em suas operações internas (materialidade interna).
O Conceito de Dupla Materialidade
A dupla materialidade amplia o escopo da avaliação tradicional ao reconhecer que as empresas têm responsabilidades tanto para com o ambiente externo quanto para com seus stakeholders (as partes interessadas do negócio).
Enquanto a materialidade tradicional foca nos impactos financeiros diretos das atividades empresariais, a dupla materialidade abrange também os impactos sociais e ambientais que afetam e são afetados pela empresa.
Em outras palavras, a dupla materialidade considera tanto a visão do impacto de dentro para fora (como as operações da empresa impactam o ambiente e a sociedade) quanto a visão do impacto de fora para dentro (como fatores externos, como regulamentações e mudanças de mercado, afetam a empresa).
Aplicação da Dupla Materialidade na Gestão ESG
A incorporação da dupla materialidade na estratégia empresarial é vital para a identificação e gestão eficazes de riscos e oportunidades relacionados a ESG.
Empresas que adotam essa abordagem realizam avaliações abrangentes que consideram tanto os fatores financeiros quanto os ambientais, sociais e de governança corporativa, permitindo uma gestão mais integrada e estratégica.
Isso significa que as empresas não apenas precisam avaliar como suas operações afetam o mundo ao seu redor, mas também, como fatores externos (mudanças regulatórias, tendências de mercado e pressão da sociedade civil, por exemplo), podem impactar suas operações e resultados financeiros.
O Papel das Avaliações de Dupla Materialidade
Avaliações de dupla materialidade são ferramentas fundamentais para entender a interseção entre fatores financeiros e não financeiros.
A dupla materialidade auxilia as empresas na identificação e priorização dos riscos e oportunidades ESG, contribuindo para a tomada de decisões estratégicas e a alocação de recursos.
Embora as empresas avaliem há muito tempo a materialidade dos tópicos de sustentabilidade e a materialidade da informação financeira, até pouco tempo, raramente estabeleciam uma ligação entre estes dois conceitos. Esta consideração está bem inserida na perspectiva da dupla materialidade, que foi introduzida na Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (Corporate Sustainability Reporting Directive - CSRD) da União Europeia European Union.
A CSRD foi introduzida como parte de uma ampla estratégia para promover práticas de negócios sustentáveis, traz mudanças significativas nas exigências de relatórios de sustentabilidade para as empresas.
A CSRD substitui a anterior Diretiva de Relatórios Não Financeiros (Non-Financial Reporting Directive - NFRD) e expande substancialmente o escopo e a abrangência das obrigações de relato. Assim, a introdução da CSRD destaca a importância de considerar tanto os impactos financeiros quanto os sociais e ambientais nas atividades empresariais, tornando obrigatória a avaliação de dupla materialidade para algumas empresas.
Da Avaliação à Estratégia
Embora a materialidade seja frequentemente associada à elaboração de relatórios, seu potencial vai além. Um processo robusto de avaliação de materialidade, orientado por dados e integrado aos mecanismos de governança, não apenas melhora a qualidade dos relatórios, mas também fortalece a saúde organizacional.
Como ressaltado por alguns especialistas, usar a materialidade apenas para fins de reporte representa uma oportunidade perdida.
Desafios e Oportunidades na Implementação
A implementação da dupla materialidade, embora valiosa, traz desafios. Relatórios, como os do Global Reporting Initiative (GRI), apontam para a necessidade de maior clareza e consistência na aplicação do conceito.
No entanto, para as empresas que buscam criar valor sustentável a longo prazo, a dupla materialidade oferece uma oportunidade única. Ao integrar considerações ESG em suas estratégias, as empresas podem não apenas mitigar riscos e proteger sua reputação, mas também promover inovação, crescimento e impacto positivo na sociedade e no meio ambiente.
O Futuro da Gestão ESG
À medida que a conscientização sobre ESG continua a crescer, a adoção da dupla materialidade na gestão empresarial se tornará cada vez mais crítica. Empresas que assumirem uma postura proativa na gestão de riscos e oportunidades ESG estarão melhor posicionadas para criar valor sustentável a longo prazo, promovendo o bem-estar de todos os seus stakeholders.
A dupla materialidade representa uma evolução significativa na forma como as empresas abordam a gestão de riscos e oportunidades ESG.
Ao reconhecer a interconexão entre impactos financeiros e não financeiros, as empresas podem tomar decisões mais informadas e sustentáveis, beneficiando tanto seus resultados financeiros quanto a sociedade e o meio ambiente.
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Mariana Schuchovski é Palestrante, Consultora e Professora em Sustentabilidade e ESG, com mais de 20 anos de atuação profissional, Doutora em Ciências Florestais pela UFPR e NCState (USA), CEO da Verde Floresta.
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